Mestre Anderson Miguel nos alerta na música “Eficiente” que não canta à toa. Incentivado pela família, aos oito anos ele já participava de ensaios e encontros de Maracatu de Baque Solto na Zona da Mata de Pernambuco. Depois assumiu o posto de contra-mestre dos veteranos Mestre Aderito, seu pai, e Mestre Zé Flor, que lhe transmitiram o conhecimento sobre a prática centenária do maracatu — tradição popular de origem afro-indígena elaborada por trabalhadores canavieiros do fim do século XIX. Foi um longo caminho de preparação para chegar até onde está hoje: aos 22 anos, Anderson é cirandeiro respeitado e também mestre do Águia Misteriosa. Participou, ainda, do Cambinda Brasileira, o grupo de Baque Solto mais antigo em atividade, com 100 anos de história.
Anderson possui um vasto conhecimento acerca de sua matriz cultural, mas não permite que a densidade da História determine seu destino. Expoente de uma nova geração do maracatu e ciranda, ele traz consigo o imperativo da mudança. A ancestralidade lhe serve para recriar caminhos num pretérito do futuro que se afirma no futuro do pretérito em um instante de invenção ininterrupta. O Mestre de Nazaré da Mata revira a memória, afasta a nostalgia e apresenta o Baque Solto como uma expressão vibrante, dinâmica e transformadora. Como ele mesmo canta: “Se a imagem for viva, ela mora no hoje e na hora em que aconteceu”.
Sob produção de Siba, “Sonorosa”, terceiro disco de Anderson, nos atravessa por um exercício de descolonização dos sentidos, pois desmonta o discurso paternalista que associa culturas populares afrobrasileiras a um ideal folclórico, monolítico e estático que deve ser “conservado”. É superando este dado histórico que ele introduz sua liberdade. No calor da rua o baile é solto, o canto é livre, a mente voa e o corpo é desimpedido, abrindo espaço para novas conexões, como as participações certeiras de Juçara Marçal (em “O Cirandeiro”), Jorge Du Peixe (voz e co-autor de “No Hoje e Na Hora”) e Beto Villares (sintetizador modular em “No Hoje”), além do próprio Siba, que assina os versos de “O Cirandeiro”, “Sonorosa” e “No Hoje e Na Hora” em parceria com o mestre nazareno. Tudo embalado por um som bem captado e imponente, que sublinha os timbres quentes dos metais, os ritmos hipnóticos da percussão, os alarmes do apito e o dedilhado cristalino da guitarra.
E acima de tudo está Mestre Anderson Miguel e a sua voz sonorosa. Ouvimos ressoar as memórias de todos os mestres maracatuzeiros da Zona da Mata, mas o que prevalece aqui é o seu próprio fundamento. O seu próprio canto e sua poesia escrevem os caminhos para um futuro. O futuro de Anderson Miguel, do maracatu, das tradições em constante reinvenção.
GG Albuquerque
credits
released April 27, 2018
Produzido por Siba e João Noronha
Gravado por Johann Brehmer, Junho Francisco e Sammy Barros no Engenho Cumbe, Nazaré da Mata-PE e por João Noronha no Estúdio EAEO em São Paulo-SP
Todas as faixas mixadas no Estúdio EAEO por João Noronha e Siba, exceto faixa 7, mixada por Beto Villares no Estúdio Ambulante
Fotografia: José de Holanda
Produção Executiva: Siba
Assistente De Produção: João Paulo Rosa
Voz: Mestre Anderson Miguel
Trombone: Felipe Silva e Allan Abadia
Trompete: Gui e Amílcar Rodrigues
Mineiro e Gongué: Dinho
Surdo e Bombo: Albérico
Tarol: Mestre Cabeça
Guitarra: Lello Bezerra
Guitarras adicionais: Siba
Carro de som: Luizinho
Participações especiais:
Sonorosa: Vavá - póica; Biu Do Bombo - tarol; João Estavão - mineiro; Tarcísio Silva - trompete; Mestre Nico - trombone; Ricardo Ambrozino - resposta
O Cirandeiro: Juçara Marçal - voz; Mestre Nico - trombone
Natureza Maltratada: Maria Beraldo - clarone
No Hoje e Na Hora: Jorge Du Peixe - voz; Beto Villares - synths
The Australian folk-pop singer tackles deconstruction, her Christian childhood, and sexuality on her infectious sophomore album. Bandcamp New & Notable Oct 14, 2023